sábado, 5 de setembro de 2009

Sobre montanhas & crianças mortas.

[Ludwig van Beethoven: "Sinfonia n° 5 em Dó Menor"]
Existe uma montanha. Ela é grande, imponente e, muitas vezes, ameaçadora. Porém, como o ego humano sempre sente a necessidade de se inflar através de feitos memoráveis, alcançar o topo desta montanha é algo extremamente desejado. Por todos; os que assumem e os que se escondem atrás da máscara da hipocrisia.
[Ludwig van Beethoven: "Sinfonia n° 6"]
Este desejo, se não for algo sobrenaturalmente explicável, deve advir de questões de ordem cultural. Sabe-se que, desde a mais tenra idade, muitas mães incitam seus filhos a alcançarem o topo da montanha, sem saber muito bem a razão, mas imitando o comportamento de suas respectivas ascendências. Todavia, as mais pudicas e precavidas os advertem das superstições que rondam a grande montanha: a criança que alcança o topo morre. Simples e direto. A criança que alcança o topo morre. Por esta razão, muitos esperam chegar à idade adulta para se aventurarem na escalada. E não obtêm sucesso. Outros, por sua vez, consideram preferível se utilizar da infância se preparando para chegar ao cume. Estes, em geral têm mais êxito. Porém, é dito popular que, para toda regra, há uma exceção - sendo assim, ei-la aqui.
[Diamanda Galás: "Baby's Insane"]
Há uma criança que passou sua vida sem sequer se interessar pela montanha. O grande e constante interesse de todos a incomodava. Talvez, esta tenha sido uma das grandes causas que a levou a tal repulsa. Mas, embora muito desprendida dos valores que norteavam o mundo (sempre aos pés da montanha), a criança tinha alguns defeitos, comuns a todo o povo da planície, mas que nela, configuravam quase uma deformação social. A criança era orgulhosa. Estranhamente orgulhosa, pois o pouco que possuia, na realidade, não lhe valia muito. Porém, este pouco, sendo quase nada, era tudo para ela. A criança se obrigou a ser tão orgulhosa... Se obrigou para sobreviver. E, contra um mundo que pisa em gargantas para chegar ao topo da montanha, ela se revestiu com as armas que tinha, mesmo sem entender muito bem por que, ó maldição, aquela já maldita montanha causava tanto furor. Sem entender muito bem por que, ó maldição, aquela já maldita montanha causava tanta dor. Suas armas foram a arrogância, a prepotência e o ódio. Sim, a criança tinha ódio (e sabia que aquilo era mau para ela).
[Les Joyaux de la Princesse: "Exode"]
A criança decidiu que a única forma de acabar com a dor causada pela maldita, mil vezes maldita montanha, era conquistando seu topo. Mas, muito consciente, recordou as advertências maternas acerca de "crianças que chegam ao topo da montanha". E preferiu sofrer a causar sofrimento, como bem foi ensinada por algum beato de sobrenome semelhante. Sentir toda dor da gota de vinagre que visita a ferida aberta por um anzol. Toda a dor multiplicada por mil. A criança preferiu, pois lhe foi incutida desde tempos imemoriais, uma absurda fé. Um sentimento de esperança inexplicável, que lhe dizia que a justiça haveria de prevalecer no último episódio da novela das 8. E , munida desta fé (que não lhe fazia otimista, apesar de tudo) a criança seguia. Amarga.
[Diamanda Galás: "Ain't No Grave Can Hold My Body Down"]
Um belo dia, vendo que a mãe já não mais se sentia na obrigação de lhe orientar, por considerá-la suficientemente madura, a criança decide, com todo o conhecimento adquirido em anos de humilhação, escalar a montanha. Seu indestrutível (mas já extremamente abalado) orgulho a levou a isso. Suas arrogância e prepotência a fariam humilhar todos aqueles que dela fizeram chalaça. A criança subia. Estava escrito (ou, como diriam os habitantes da planície, obcecados pela montanha; "Maktub"). De fato, a escalada não era fácil. Mas o fato de ver, sempre a seu lado, alguém também tentando alcançar o cume... (pausa: alguém definitivamente acha que a criança se enchia de alegria pela possibilidade de "fazer um novo amiguinho" quando via mais alguém a seu lado escalando? Se sim, sugiro que retorne ao início da narrativa e a leia com maior atenção) ... a fazia pensar em todos aqueles que haveriam de respeitá-la e se humilhar a seus pés, posto que aqueles todos que escalavam a seu lado nada mais eram que representantes do povo da planície. Eles precisariam viver para sofrer. Sofrer tudo o que a criança havia sofrido. Naquele momento, embora socialmente vistas como imorais, a vingança e o ódio eram os principais combustíveis daquela criança. Somente chegando ao topo, ela seria respeitada. Somente chegando ao topo, ela faria com que todos os vermes da planície experimentassem de seu maldito veneno!
[Diamanda Galás: "Ter Vogormia"]
A criança era incansável. Não se importava com dor (já havia se acostumado após tantos anos de convivência), privação, fome, sede ou outros incômodos. Tirava do ódio sua força. E enquanto fazia sua odiosa marcha em direção ao tão distante e aparentemente (para o povo da planície; não para ela) inatingível cume, muitos eram os que desistia ou morriam nas tentativas. Corpos caiam, distorcidos pelo frio ou pela inanição. Peles ressecadas pelo sol. Ossos já esfarelando, de cadáveres dos que há muito haviam, sem sucesso, tentado. Mas cada vez mais, a criança se aproximava do cume. Em uma proporção relativamente oposta, quanto mais alto ela chegava, menor era o número de pessoas a seu lado. Não que isso fizesse grande diferença, posto que a solidão nunca deixou de lhe ser companheira e secretária antiga de incontáveis mágoas.
[Sopor Aeternus: "An die Sterne"]
Já era possível visualizar o topo. Ao lado da criança, já não havia absolutamente ninguém. Com mais um ou dois dias de esforço sobre-humano, ela estaria no ponto mais alto, aquele onde poucos ousaram chegar. Naquele momento, ela ponderou que, na realidade, em seus poucos anos de vida, jamais ouvira falar sobre alguém que tivesse, de fato, chegado ao topo. Estranho, afinal, aquela montanha era quase folclórica, de tão famosa. Mas, após uma quantidade relevante de tempo (em condições extemas, as noções de tempo, espaço e realidade se nublam), ela estava no tão famoso cume. Quão imensa foi sua decepção. Nada havia por lá, a não ser algumas pedras, tão ordinárias quanto as da planície, e uma inscrição na rocha, que dizia o seguinte: "Havia uma criança ao pé desta montanha. Ela está aqui?". Ao ler isso, a criança começou a chorar.
[Diamanda Galás: "Anoixe"]
Quando a criança retornou à planície, pronta para contar a todos seu grande feito, se deu conta que ninguém a compreendia. Era como se ela estivesse tentando se comunicar através de um idioma desconhecido pelo povo. Ela era simplesmente ignorada. Seu grande feito, desprezado. Seu orgulho parecia de nada mais valer. Ela estava tão sozinha como nos últimos momentos de sua escalada. Ela via aqueles que poderiam estar a seu lado caindo. Poderia tê-los ajudado, mas já havia se preocupado demais com vidas alheias e precisava cuidar da sua. Agora, ela possuia toda a vida que quisesse, para permanecer solitária eternamente. Maldita montanha.
[Der Blaue Reiter: "Prologue: Into the End of the World"]
Mas ainda que estivesse solitária em sua língua individual, ela pensou que algo de bom ainda poderia ser aproveitado desta história: ela estava viva, o que comprovaria a mentira da superstição repetida ad infinitum por todos da planície. Todavia, quem a ouviria? Quem a reconheceria? Seu corpo era outro. Seu rosto, idem. E mais que isso, será que quem chegou ao topo foi a mesma criança que se encontrava ao pé da montanha? Seria aquela inscrição falaciosa?
[Rome: "Who Fell in Love with the Sea"]
Não. A criança morreu.

sigur rós: "Untitled 01 - Vaka"

9 comentários:

Anônimo disse...

Tipo,ta tarde eu depois eu volto pra ler td isso.

E ah,tem presente pra vc la no blog.Mudei o visu dele tbm.Bjo

Jaya Magalhães disse...

Li cada parágrafo imaginando uma cena que eu acho que seria impossível filmar. Porque tudo passava por dentro. Misturei sociedade, a gente, o que a gente quer, o que querem da gente, os esforços pra chegar onde não se sabe, o desespero de notar não ser aquilo que queríamos, e transformação daquilo que éramos em algo que, veja só, não tem sentido algum.

Angústia, foi o que senti. Choque. Realidade. Eu não saberia nunca colocar no papel emoções tão bem escritas como as tuas, Allan.

____________________

Olha, brigada, sempre, pelas visitas. E por ser um dos motivos pelo qual Dulce quer continuar a ser história. Reli teu texto, antes de escrever aquele último. Os cachos vermelho-sangue foram tradução exata de muita coisa.

Perdi a mão, ultimamente. Daí fico escrevendo coisas doces, gays, nhem nhem nhens, pra me recuperar, por enquanto. Enjoa, mas, paciência!

Outra coisa, a questão da trava contra cópias, que você falou. Enviarei pro teu hotmail o código, acho que ainda tenho aqui no computador. É só você acrescentar ao html do blog. Okok?

Então, é isso.

Beijallaaaaaaan!

Jaya Magalhães disse...

Com a mãe? Quase morri de vergonha.

Aiai.

Beijallan!

[Tuas visitas são necessárias, percebo].

Anônimo disse...

"Sentir toda dor da gota de vinagre que visita a ferida aberta por um anzol"
Ai =/!

Esse texto me fez mal,sabia?Isso é bom (pra vc,rs).Me senti um pouco essa criança sobre certos aspectos da minha vida (e personalidade tbm).Bjao

Anônimo disse...

Ai ai,tantas complicações Allan,se vc soubesse...Ou eu sou dramática,sei la´...

Anônimo disse...

goyalit singing aparajita thwarted rick suitably mitch sympathetic acclip hays amylin
semelokertes marchimundui

Anônimo disse...

[p]¡°An idealistic utopia . The only method to see and experience how Fissler¡¯s 2-pan philosophy work is to try cooking Canada Goose Jakker in it . Such as playing it up or to rebound very slow and very low, indicating poor quality filler, such as the fundamental resilience, the filler is likely to be [url=http://www.authenticcanadagoosecoats.com]canada goose coat price[/url] a feather or other long-haired piece of crushed hair, rather than down . We were thrilled [url=http://www.cheapcanadagoosejakke.com]men canada goose jakke[/url] to get this note from Sandra B . The prints were hand-colored [url=http://www.canadagoosejacketoutletdk.com]canada goose sale[/url] by Reece's family and sold for $75 . "
There has been no mass marketing campaign to explain [url=http://www.genuinecanadagoosevest.com]canada goose freestyle vest[/url] the explosion of these coats . The well-known outerwear manufacturer alleged International Clothiers of intentionally designing a logo and positioning it on jackets to mimic the Canada Goose Arctic Program trademark . Try not to [url=http://www.canadagooseparkaclearances.com]trillium canada goose parka[/url] keep the cage in a draughty Canada Goose Parka Born area.[/p]
At the Queen [url=http://www.cheapcanadagoosejakke.com]cheap canada goose jakke sale[/url] St . "

[url=http://www.darnus-bustas.lt/posting.php?mode=quote&f=7&p=1340%2B%2B%2B%2B%2BResult:%2Bchosen%2Bnickname%2B%22Robtmq26%22;%2Bcaptcha%2Brecognized;%2Bsuccess;%2BBB-code%2Bnot%2Bworking;+Result:+chosen+nickname+%22Robcfb37%22;+captcha+recognized;+success;+BB-code+not+working;]we are beautiful shop online statement made canada goose jackt9i[/url]
[url=http://www.insuranceworld.gr/forum/viewtopic.php?f=3&t=312824]we are beautiful shop online statement made canada goose4l[/url]
[url=http://www.kentavr.kz/images/guest/index.php?showuser=4463]we are beautiful shop online statement made discount canada goose down6i[/url]

Anônimo disse...

[p]A call center job is customer service work that is done on a remote basis using telephone and/or computer equipment . We have a variety of gift items that can be sent on Eid in [url=http://ugguksaleonline.moonfruit.com]ugg uk sale online[/url] Pakistan . On this fashion, separate people will pinpoint their actual approach UGG boots outlet sale in [url=http://uggbootsonlinesaleuk.moonfruit.com]ugg boots online sale uk[/url] your substitute time . However the fashion sense varies, designers for these sheepskin boots still persevere in the original theme . mainly because Kim Cattrall spot on Ugg boots with wedding, it [url=http://cheapuggbaileybuttonuk.moonfruit.com]cheap ugg bailey button uk[/url] undoubtedly shock the world . You also can find ugg boots and slippers offering the same comfort to your feet . Keeping the toes warm, comfortable and fashionable all all at once is a substantial [url=http://genuineuggaustralia.moonfruit.com]genuine ugg australia sale[/url] ask . There are stylish and comfortable jackets, vests, sweaters [url=http://genuinecheapuggboots.moonfruit.com]genuine cheap ugg boots[/url] and more . Throw in some corn, peas, carrots, potatoes, broccoli, garlic, and onions for a great start out.[/p]



[url=http://forum.loc-lanparty.de/posting.php?mode=quote&f=20&p=57298++Result:+chosen+nickname+%22Robnft84%22;+captcha+decoded+%282+attempts%29;+success;+BB-code+not+working;]Here Offer the discount MBT shoes online with high-quality 1e[/url]
[url=http://nea.game-host.org/NEA-Forum/posting.php?mode=quote&f=13&p=424798%2BResult:%2Bchosen%2Bnickname%2B%22Robdgg92%22;%2Bcaptcha%2Brecognized;%2Bsuccess;%2BBB-code%2Bnot%2Bworking;]Here Offer the discount MBT sandals for men online with good quality 9k[/url]
[url=http://www.marcus-kehr.com/?site=gb&lang=de&action=new]There Offer the discount MBT sandals shoes online with good quality 0o[/url]
[url=http://www.pattersonchryslerdodgejeep.com/?option=com_vehiclemanager&task=view&catid=&id=170&Itemid=80]There Offer the discount MBT shoes online with high-quality 9q[/url]
[url=http://obscuruscrusade.com/Test/posting.php?mode=quote&f=1&p=258743%2BResult:%2Bchosen%2Bnickname%2B%22Robgxz23%22;%2Bcaptcha%2Brecognized;%2Bsuccess;%2BBB-code%2Bnot%2Bworking;%2BResult:%2Bchosen%2Bnickname%2B%22Robmrr07%22;%2Bcaptcha%2Brecognized;%2Bsuccess;%2BBB-code%2Bnot%2Bworking;]There Offer the discount MBT sandals for women online with good quality 7j[/url]

Anônimo disse...

payday loan http://www.2applyforcash.com boina Payday Loans erullyEqualay [url=http://www.2applyforcash.com]Payday Loans[/url] pay day loans Legitimate home based businesses ahead of seeing that i've month just by writing a few blog posts a week.This is probably one of the most common ways but training, you will be able to make your website famous!!