sábado, 20 de setembro de 2008

O sacrifício

[Nina Simone: “Don’t Explain”]

O chá verde que esquenta a fria madrugada acabou de sacrificar-me sua última gota.

Eu sacrifiquei meus pés para ter de volta o suado dinheiro que empreguei para assistir Trent Reznor & Cia.

[Laibach: “WAT”]

Sacrifiquei meu tempo ao comprar o ingresso para o show do Judas Priest.

Sacrifico as pontas dos dedos, articulações, falanges, falanginhas & falangetas, carpos & metacarpianos ao digitar um texto que tem como mote de glosa especificamente o sacrifício.

Minha vida é cheia de sacrifícios. A cada momento, sacrifico a capacidade de meu pulmão direito em virtude do esquerdo, idem & ibidem. Por vontade, talvez? Tendência suicida e/ou masoquista e/ou mártir e/ou franciscana ao sacrifício interminável, talvez? Autopunição, talvez? Baixa auto-estima, talvez? Ou talvez nada além de um ponto de vista deturpado pela tradição em sofrer aos olhos de todos? Talvez? Pois bem, então analisemos o contexto do sacrifício a partir de um prisma externo a meu egoísmo misantropo, cuja Sala de Justiça se encontra no infinito particular de meu umbigo.

[Mascagni: “Intermezzo, de ‘Cavalaria Rusticana’”]

A humanidade se acostumou com a idéia do sacrifício, ou estou errado ao pensar que todos nós, humanos sujeitos à putrecina e à cadaverina, somos perfeitos após a morte? Nossos defeitos não são apagados ao cruzarmos os véus etéreos dos esquifes para servirmos de banquete aos vermes? Bem, partindo da atraente idéia de uma suposta adoração póstuma, na qual toda ignomínia de nossos seres será relegada ao esquecimento, a idéia do sacrifício, seja qual for a causa (haja causa ou não) me parece até mesmo um tanto romântica. Mas será que esse romantismo parte de mim, ou fui condicionado, por frases como “Viveram pouco para morrer bem. Morreram jovens para viver eternamente.” – dedicada aos heróis (? – eu não sei; não estava lá.) da Revolução Constitucionalista de 1932? Isso, eu creio que, mesmo após um sacrifício de alguns milhares de células nervosas, não saberei.

[Lacrimosa: “Einsamkeit”]

Mas, e quando não haverá a morte (quando o ceifador espera atrás da porta e se recusa a entrar)? E quando o sacrifício não liberta do jugo opressor? E quando o sacrifício só traz consigo mais dor e angústia? Qual caminho seguir? Encontrar razões, talvez? Mas há tantos loucos nos manicômios, com tantas razões & certezas, que é incoerente acreditar que justamente a minha estaria correta, ou estou errado? Então, resta ainda a dúvida: por que o sacrifício, se nada lhe vêm em retorno? A resposta é simples, simples como beber água (mas em nenhum momento afirmei que esta é a resposta correta, ou mesmo verdadeira, ou ainda mais, crível & verossímil): simplesmente NÃO EXISTE sacrifício sem recompensa.

[Laibach: “Get Back”]

Um se sacrificou em uma cruz e até hoje tem seu nome citado, mesmo pelos que afirmam odiá-lo (Extra! Extra! Notícias do Jornal Underground In War!!! Black Metal prestes a levar um tiro de um Dark em um famoso cemitério da capital de SP implora: “Pelo Amor de Deus!!!”) – um outro resolveu ceifar a própria vida em abril de 1994, deixando teorias que preenchem as cabeças de jovens até os dias de hoje. Outro que, ao morrer (a mais de 20 anos), já não era sequer a sombra de seus dias de glória, ainda hoje estampa camisetas que afirmam que o bendito não morreu. E o que dizer de um que abriu completamente “As Portas da Percepção”, para fechá-las afogando-se em uma banheira (ou seria em devaneios lisérgicos?)? Quantos, não?

[For My Pain…: “Autumn Harmony”]

Enfim, a questão é que todos estes sacrifícios tiveram o tal retorno póstumo, mas existem sacrifícios em vida, e o retorno para estes, eu afirmo com violência (simplesmente porque a violência me agrada e dá mais ênfase às minhas idéias, ainda que as mesmas sejam infundadas), é assaz questionável. A sensação de não incomodar? Ferir a si próprio para desviar a flecha do peito daquela que outrora foi chamada de Deusa da Guerra? Será que a flecha atingiria o peito da Deusa da Guerra, se o nobre cavaleiro não entrasse na frente (em tempo: assistam ao filme “Prólogo do Céu” – ilustra bem o que digo)? Nascemos n’um mundo em guerra, com armas para nossa sobrevivência. Logicamente, a humanidade se ajuda desde os tempos mais primórdios, mas a auto-preservação ainda é a mais alta das leis (Amar ao próximo? Perdão, mas sigo outro Evangelho. “‘Amar ao próximo’ tem sido dito como a lei suprema, mas qual poder fez isso assim? Sobre que autoridade racional o evangelho do amor se abriga? Por que eu não deveria odiar os meus inimigos - se o meu amor por eles não tem lugar em sua misericórdia?” – LAVEY, Anton Szandor. 1969). Sendo assim, aceitar a dor, para, desta forma, sentir mais dor; e caminhar sobre espinhos para deleitar os dedos dos pés no sangue de quem carrega um bebê de 180 kg é inadmissível!

[Ana Carolina: “Nada Te Faltará”]

Sim, mas quem sou eu para afirmar o que é admissível ou não? Que autoridade eu, que não me sacrifiquei pela humanidade ou por uma causa social & publicamente nobre (de que vale o sacrifício não levado a público, para a criação da imagem de mártir?), possuo? A autoridade de alguém suficientemente estúpido para cometer todos os erros e sacrifícios inúteis descritos nas dolorosas e pungentes palavras acima.


London After Midnight: “Sacrifice